Sombras de um objeto assígnico
Os toques dedilhados de um piano provocam em mim uma ressonância. Suas notas se instalam na minha consciência, se espalhando numa espaçosa atmosfera, silenciosa, como o assovio de um pássaro rubro em meio às rochas de uma caverna. O som ecoa sem retorno adiante para fora da gruta e segue seu caminho por dentre as árvores que ali o absorvem. Essas ondas me causam uma fina dor que surge na nuca e desce por uma veia até as costas de meu miocárdio.
Estou em minha cama, deitado de lado. Neste instante, escorre de meu olho uma lágrima quente, o travesseiro a absorve, umedecendo-o. Estou aqui enquanto me imagino projetado em um futuro onde estarei sentado na mesa de um bar, acompanhado de amigos. Perfurando as risadas, me direciono ao indivíduo que senta a duas cadeiras de mim. Começo a falar:
— (…).
— O que? — Perguntou meu interlocutor.
O que houve? Pensei. Então repeti:
— (…).
Assim, não pude falar.
— Não entendi. — Disse o colega, virando-se indiferente para nunca mais se dirigir a mim.
Deparo-me que simplesmente não sou mais capaz de me fazer entender.
Resolvo, pois, como que em busca de solução, beber da minha fria cerveja; tomo um gole. No instante em que o líquido atinge meu estômago, um giro de pensamentos perpassam uma roleta de sorteios diante da ponta da minha língua. Tento mais uma vez proferir palavras. Elas nascem já inexistentes em mim para cair no universo enquanto sombras de um objeto assígnico. Me vejo estagnado, não significo nada a ninguém. Isolado estou, em um mundo próprio, onde tampouco sei se os domínios de minha consciência ainda significam.
O som perolado, avermelhado, que aquele piano me faz ouvir continua a ressoar. Num vai e vem, aquela dor se esvai. Num vai e vem, o som me escapa, ainda que permaneça lá. Agora, parece-me que absolutamente nada me significa nada. Durmo.