[Ensaio] Sobre que significado demos ao mundo, afinal.
Uma infinitude de dados reina o Universo. A composição do real é absolutamente desconhecida à humanidade, devida a sua complexidade, caos, desordem, confusão e assignificação. Os dados são muitos, são todos, e se entrelaçam gerando novos dados. Já há muitos séculos, admitimos que não temos acesso ao real assim tão facilmente. Percebemos ele através de um emaranhado de subjetividades, internas a cada um dos indivíduos, e o que nos une no macro continua a ser matéria de disciplinas separadas, pois não encontramos relação satisfatória. De todo modo, o funcionamento é mais ou menos o seguinte: O mundo existe, caótico e irregular, cheio de sombras e desconhecimento, a humanidade vai aos poucos atribuindo sentido ao mundo pelo seu mecanismo de significação e linguagem, vai dando ordem às coisas, gerando organizações confortáveis, levando adiante as descobertas. O povo vai aderindo, seja Deus, seja o Sol, com conflito chegamos a algum lugar, inevitavelmente. Perpassados pela subjetividade, os dados chegam poucos e digeridos. Ainda infinitos, esses dados são alguns, e escondem por detrás de si a infinitude dos outros. Damos importância aos dados, sejam eles quais forem. A título de mudança, os dados chamados de “fatos” ganham, endereçados à eles, novos e novos dados chamados de “paixões” ao longo dos anos, às mudanças de poderes, às mudanças de interesses e às necessidades. Em outras palavras, talvez a igreja detivesse a verdade sobre os dados, depois a filosofia (ou a volta dela), depois a ciência, enfim. A disputa pela verdade sempre gerou conflito. O mundo vai se organizando pela linguagem, pelos significados. Mas houve sempre as lacunas do desconhecido, aquilo que não sabemos, o restante do infinito dos dados. A essas lacunas, nos questionamos: O que são? Qual a origem da vida, do universo, o porquê das coisas e das naturezas físicas e humanas. Questionamos e questionamos, ingenuamente, tanto que chegamos a um ápice traumático. De algum modo, sedentos pela verdade, descobrimos que desejamos controle sobre ela, e criamos o positivismo como método de chegar a esse controle e domínio. Saber o significado da verdade é ter o poder sobre todos os seres, e queríamos isso. A ciência, por ali no século XIX, nunca fora, até então, tão importante. Importantíssima: a biologia era o meio de se ter o poder sobre os corpos. Importantíssima: a física era o meio de se ter o poder sobre as armas e as bombas. Importantíssima: a química era o meio de se ter o poder sobre os elementos. Importantíssima: a filosofia era o meio de se ter o poder sobre a verdade. Emerge, daí dessa obsessão, regimes de autoritarismo e controle, sobre tudo e sobre todos, pois um indivíduo elegeu-se o detentor dos dados e atribuiu para nós o significado, prometeu ao futuro todo aquele significado ainda não descoberto, mas certo e ordenado, controlado. Machucada diante da violência dos massacres, das guerras, das máquinas, a humanidade desiludiu-se. A arte então foi reflexiva: Tomou pra si como resposta a não significação de tudo, a perda do controle e da ordem. Pela primeira vez quisemos não organizar os dados e não assoprar as sombras, os obscuros da significação. Quisemos matar o significado, de tanto que ele foi nocivo contra nós mesmos. Somado a isso, cansados pelo nosso próprio sistema, desejamos só o descanso. Esgotados pela exaustão do labor obsoleto, de significado vazio, fizemos emergir uma nova ordem. A democracia se fez válida agora, ela tira o controle da verdade autoritária para dar à massa. Mas a massa é um todo, um número grande de indivíduos juntos e desapropriados de sua individualidade, ela então precisa consentir sobre qual verdade será significativa para o todo. Massificamos todos nós. Fabricamos, como um hambúrguer suculento, uma verdade fácil e saborosa para distribuir a todos os seres humanos. Aos poucos, exaustos e sem tempo para pensar, comemos com gosto, e o capitalismo venceu na década de 80. Alguém ali no meio deu ao povo a resposta pra tudo, deu à massa o significado para vida e tudo o mais, uma verdade feia e desagradável: buscar dinheiro. Tornou-se para todos a única resposta para a vida, pois com o abandono da pergunta filosófica, do ócio e da falta de alternativas, até os críticos desse sistema na qual todos estão imersos, povos que nada tinham a ver com isso, os recém nascidos, querem, agora, ou a morte ou a simples fuga de tudo e das violências a que são impostos (tomar café na frente de algumas árvores pelo resto da vida, quem sabe). Porém ninguém foge, em vida, dessa realidade imposta, precisamos sempre de dinheiro. Impossível escapar, admitidos isso com desgosto, e brigamos entre nós sobre essa matéria ser um Deus ou um Demônio. Pergunte para mim: “E daí?”. É uma boa pergunta, niilistamente nada importa mesmo, não é? O que se segue dessa pergunta é o seguinte: Uma armadilha do destino, um acidente do acaso nos capturou, a nossa existência aqui no planeta não suporta tal verdade, buscar a riqueza é sempre insustentável, não importa o quanto queremos que não seja e justificamos de maneira idiota o contrário. Vamos morrer todos juntos, pela falta de água, de terras, de comida ou de ar (na verdade alguns vão sobreviver, esses não entram nessa conta). E aí todos simplesmente desistimos da verdade, apesar de já tê-la, afirmando com conforto e obviedade a [não verdade], eles vão dizendo para mim sempre que podem: “você quer chegar aos 40 ou 50 anos com 10 milhões na conta, não é? Eu sei que é? Rsrsrs… Continue trabalhando que vai chegar lá”. Que engraçado, nem eu, nem ninguém vai, mas porque ainda afirmam? Afinal, estavam certos há séculos: quando chegamos à resposta para tudo, deixamos de nos importar com tudo, e aí cada um de nós define um rumo ao fim que queremos, e lamentamos estarmos vivos aqui e com essa resposta nas mãos. Focamos em tudo o que nos distrai do elefante branco coletivo da extinção no meio da sala da humanidade. Voltamos com sabor e razão às nossas pulsões e desejamos experimentar de tudo o que o corpo oferece antes de irmos embora para sempre. Se outrora Décio Pignatari escreveu, com agudez, “o organismo quer perdurar” ele estava certo. Queríamos perdurar, de várias maneiras, escrevemos A Literatura e fizemos A Arte que era sempre sobre isso. Hoje, adotando crianças, reproduzindo pessoas ou ideias, levando as nossas vidas adiante via compartilhamento e curtidas de publicações, fingimos perdurar. Mas não estamos mais na busca por perdurar, paradoxalmente acreditamos estarmos perdurando sem estar de fato, e temos ainda o conhecimento disso, pois temos o conhecimento de tudo o que queremos ter, as respostas sempre existem, basta tê-las para si, quando e como quisermos. Não existe desordem mais no mundo a não ser aquela desordem que sabemos existir e, portanto, ela é uma desordem inteligível e, em última instância, ordenada. Abraçamos a nossa [não existência] crendo existirmos no interior de uma [futura não existência] para ver a verdade sobre ela, confortavelmente. Mas sabemos não sermos capazes de existir para vê-la? Os infinitos dados que um dia quisemos caçar para deleitar o estômago, foram significados com uma estratégia bem interessante: deram o nome a eles de “infinitos”, e pronto, estão claros e expostos, respondidos. Eles são o que são agora, assim como nosso futuro também é o que é, a partir do mesmo mecanismo, e a partir de cada um de nós, juntos.